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É possível inovar em uma empresa tradicional? Diretora da ArcelorMittal mostra que sim

Confirmada como uma das painelistas do BWoman em Belo Horizonte, Paula Harraca é uma ex-atleta que deixou a seleção argentina de hóquei na grama para alcançar façanhas no mundo corporativo. Primeira profissional C-Level da siderúrgica ArcelorMittal, ela construiu uma carreira de sucesso em quase duas décadas de trabalho na empresa e hoje tem a responsabilidade de olhar para o futuro da companhia, já que conduz a estratégia, a inovação e as transformações ligadas ao negócio. É possível inovar em uma empresa tradicional?

Paula já trocou várias vezes de país (além do Brasil e da Argentina, morou em Trinidad e Tobago, Canadá, Luxemburgo e Espanha), foi promovida grávida e é uma das responsáveis pelo primeiro hub de inovação aberta da indústria siderúrgica do mundo, o Açolab, localizado em Minas Gerais.

Toda sua experiência será compartilhada no primeiro painel do BWoman em Belo Horizonte, evento que reúne nesta quarta-feira (22) empreendedoras e líderes femininas. A diretora da ArcelorMittal fará uma apresentação sobre liderança ambidestra, abordando o futuro dos líderes e liderados diante de uma nova realidade.

Nesta entrevista feita pela equipe da BHub, ela fala sobre inovação em um setor tradicional, traz um novo olhar para a agenda ESG, explica sua relação com as startups e destaca algumas adversidades enfrentadas pelas mulheres executivas.

Diretoria de Futuro, uma Abordagem Transformadora em uma Indústria de Base.

BHub: A inovação pode ser mais complexa em determinadas indústrias. Por que uma empresa siderúrgica produtora de aço construiu uma diretoria focada no futuro?

Paula Harraca: Eu entendo que a complexidade da inovação não depende necessariamente da indústria, mas principalmente do mindset das pessoas e da cultura organizacional. No caso de uma empresa siderúrgica, nosso entendimento é que, mesmo atuando em uma indústria de base, precisamos oferecer aos nossos clientes soluções de ponta.

Inovação não é algo novo para nós, na ArcelorMittal. De fato, a nossa trajetória centenária foi construída com pioneirismo e inovação: desde sermos a primeira usina integrada da América Latina, até termos o primeiro lab de inovação aberta, o Açolab, inaugurado 4 anos atrás. 

Sobre a diretoria de futuro, há um ano, a empresa decidiu fortalecer o seu olhar para o amanhã e apostar em decisões que ampliam o seu papel como agente de transformação na indústria do aço e na sociedade. As ações se iniciaram com avanços em sua estrutura, a partir da criação da diretoria de estratégia, inovação e transformação do negócio – informalmente chamada de diretoria do futuro –, que coloca a estratégia junto com agendas que desafiam o mundo dos negócios: inovação, novos negócios, ESG, cultura organizacional, diversidade e inclusão, além de investimento social.  A iniciativa ganha força por meio de investimentos contundentes em projetos que buscam transformar o setor. Dessa forma, a empresa ousa ao agrupar agendas de futuro que não costumam estar unidas em uma mesma diretoria, por entender que são interdependentes e que na sua integração se cria um lugar de potência transformadora. 

O Desafio de Reimaginar o Legado e Abraçar o Futuro, segundo Paula Harraca.

BHub: Qual é o maior obstáculo em liderar a inovação em uma empresa tradicional, com 200 mil funcionários e uma boa parte deles no Brasil? Como incentivar as pessoas a desapegarem de antigos processos e se acostumarem ao que é novo?

Paula Harraca: Primeiro, é preciso refletir sobre o entendimento de inovação. Para nós, inovar não é matar o legado, muito pelo contrário. Inovar é honrar o legado, fazendo com que a proposta de valor empresarial para clientes, colaboradores e para a sociedade, de forma mais ampla, se mantenha relevante ao longo do tempo. Como faz uma empresa para viver 100 anos? Inovando, se reinventando, aprendendo, desaprendendo e reaprendendo.

A grande questão é que, quatro anos atrás, ao percebermos o ritmo acelerado das mudanças ao nosso redor, decidimos inovar a forma de inovar, lançando uma estratégia de inovação aberta, impulsionada pelo Açolab. Dentro dessa caminhada mais recente, o principal desafio que enxergo é a dificuldade de desapegar daquilo que talvez hoje ainda é relevante, mas muito em breve não será mais. Entender que o que nos trouxe até aqui não é garantia de sucesso futuro. Os sucessos do passado só aumentam as expectativas e a responsabilidade.

Mas não garantem mais sucessos. Por isso, dentre os cinco comportamentos que escolhemos para nossa cultura organizacional, estão a humildade e a abertura. A humildade para aceitar que não sabemos tudo, para nos colocarmos diante da realidade com mentalidade de aprendizes, com curiosidade para buscarmos o não saber, e com abertura para pontos de vista diferentes, que nos permitam enriquecer a tomada de decisões e aprimorar as opções estratégicas.

A Autenticidade na Abordagem ESG

BHub: Você olha com cuidado para seis áreas: a estratégia ESG, a inovação, a gestão de projetos, a cultura organizacional, a comunicação e o branding. Quais são os principais pontos de atenção para você e para a ArcelorMittal em relação à agenda ESG?

Paula Harraca: Existem três pontos que gostaria de chamar a atenção: primeiro, considero importante contextualizar um entendimento de um olhar de ESG, que considere, junto com a visão de sustentabilidade ambiental, social e de governança, a econômica. É uma relação simbiótica, não temos como separar o pilar econômico dessa história. O segundo ponto tem a ver com o entendimento de que, na minha visão, não existem negócios com sustentabilidade, existem apenas “negócios sustentáveis”. A sustentabilidade precisa ser um elemento inerente aos negócios, não pode ser um anexo ou capítulo à parte. Tem que fazer parte central da estratégia.

Estratégia, Sustentabilidade e a Jornada para Negócios Verdadeiramente Sustentáveis.

Finalmente, considerando os quatro pilares de forma integrada, há um ponto chave que se chama autenticidade. Mesmo que “EESG” seja uma jornada, um processo de construção e de evolução, mais do que apenas uma meta ou um destino, é preciso que essa caminhada seja real. Ninguém vende algo que não se é. Então, na iminência da necessidade de abordarmos cada vez mais essa pauta, tenho observado algumas organizações adotando medidas mais supérfluas, numa espécie de movimento de “surfar a onda”. E o assunto é amplo, complexo e profundo.

Não acredito que existam “balas de prata” ou receitas mágicas que nos permitam resolver as grandes dores da humanidade da noite para o dia. Ele demanda de nós um entendimento mais profundo e abrangente, desde múltiplas perspectivas que nos permitam encontrar caminhos reais para problemas reais, com soluções de curto, médio e longo prazo, que certamente passarão por uma união de esforços, e não apenas pela solução de uma empresa de forma isolada.

Conectando Gigantes e Startups

BHub: Uma das formas de tornar empresas tradicionais mais inovadoras é acrescentar novas soluções e tecnologias ao dia a dia. No caso da ArcelorMittal, foi montado um laboratório de inovação, que permitiu uma conexão cada vez maior com o ecossistema de startups. Para você, como tem sido a interação dentro de uma empresa maior com startups? Quais são os maiores aprendizados dessas conexões?

Paula Harraca: Contudo, a gente aprendeu e ainda está aprendendo muito com o universo das startups. Apenas para dar uma dimensão, ao longo desses 4 anos de caminhada, temos feito mais de 12 mil conexões com o ecossistema, o que não se limita apenas a startups, gerando aproximadamente 4.600 leads qualificados, incluindo 4.200 startups, 300 estudantes/PF/governo e 180 ICTs, entidades e habitats. Isso passa pelo nosso funil, resultando aí em contratações diretas em alguns casos e mais de 80 MVPs, dos quais 214 já foram concluídos.  

As startups têm um dinamismo incrível, e isso é fonte de inspiração. Tenho aprendido muito com eles. Gosto de citar aquele mantra que diz que “não pedimos licença, pedimos desculpa”. Mesmo parecendo algo simples, é uma sutileza muito poderosa. Em organizações maiores, que tendem a ser mais hierarquizadas, a tendência a buscar aprovação, por vezes em níveis maiores do que será sensato para essa decisão, é algo muito comum. Isso deixa muito mais lenta a tomada de decisão. Por isso, temos definido também o empoderamento, como sendo um comportamento chave da nossa evolução cultural. Nas startups, especialmente as de menor tamanho, esse empoderamento é mais natural, e isso é algo que estamos aprendendo, para poder tornar as decisões mais ágeis e as relações mais fluidas dentro da organização.

Paula Harraca Compartilha Lições de Inovação e Empoderamento no Laboratório de Inovação da ArcelorMittal.

Agora, para mim, um ponto chave é o princípio de ganha-ganha que conseguimos trazer como premissa essencial do nosso relacionamento com as startups desde o início dessa jornada. Por exemplo, no caso do nosso fundo de CVC (Corporate Venture Capital), chamado Açolab Ventures, nossos investimentos não preveem tomar o poder ou assumir controle da startup.

Há um plano de sinergias com o conceito de “smart-money” para ajudar alavancar o crescimento da startup com todos os ativos e conhecimento que a ArcelorMittal tem para oferecer, mas sempre escutando os empreendedores e respeitando o modelo e plano de negócios da startup, sem tentar impor o nosso ponto de vista. Ninguém conhece melhor o negócio do que os empreendedores que estão atuando nele. É um equilíbrio que precisa ser respeitado. Talvez esse seja um dos motivos que nos fazem manter um NPS de 89 nas avaliações das startups e das áreas internas do negócio.

A Importância da Autoconfiança para Mulheres em Posições de Liderança.

BHub: Uma pesquisa feita pelo Estadão mostrou que, entre as empresas listadas no Ibovespa, o número de mulheres nas diretorias ainda é pequeno, inferior a 20%. O que você considera essencial para que mais mulheres possam fazer parte do C-Level de empresas? 

Paula Harraca: Para as mulheres chegarem no C-Level, um ponto chave é a autoconfiança. Existem inúmeras pesquisas que mostram que, mesmo sendo mais competentes em muitos casos, as mulheres por vezes duvidam de si. A famosa “síndrome de impostora” é real. Acontece – e já aconteceu comigo. Cabe a nós ficarmos atentas e entendermos o que nos impede de irmos além. Diria com altas chances de acertar, que, numa bela maioria dos casos, o que nos impede somos nós mesmas, nossos medos e inseguranças, a falta de autoconfiança. Tudo começa pela autoestima e pelo autoconhecimento. É fundamental investir tempo em nós, entender nosso lugar de potência, nossos desejos, anseios, expectativas e refletir sobre o que estamos dispostas a pagar por isso. Não é uma escolha fácil, mas também não tem escolha certa. Só tem aquilo que faz mais sentido para si num determinado momento.

Equilíbrio Dinâmico entre Carreira e Maternidade

BHub: As mulheres encontram desafios adicionais para alcançar a alta liderança. Como conciliar a carreira e a maternidade? O equilíbrio existe?

Paula Harraca: Apesar dos avanços que já tivemos até aqui, infelizmente ainda vejo que no atletismo corporativo ou dos negócios, a carreira tem duas modalidades: a masculina, que é como uma maratona, e a feminina, que é uma maratona com obstáculos. 

Ademais, lembro que, certa vez, em plena pandemia, eu me vi passando por uma situação no meu “coworking”, com minhas duas filhas: trabalhando em home office durante mais de dois anos, várias vezes me vi na minha mesa, em reunião de diretoria, com minhas duas pequenas de 8 e 5 anos, fazendo aula do meu lado. Surreal. E na grande maioria das vezes, quem cuida disso tudo é a mulher. Na época, fiz até um post no meu Instagram para promover essa reflexão.

Sem dúvidas, conseguir equilibrar todos os pratos que escolho gerenciar no meu dia a dia é um dos meus maiores desafios. Em casa, eu posso contar com uma rede de apoio e um super marido e pai, mas sei que em muitos lares não é essa a realidade. 

Muitas mulheres acabam assumindo mais responsabilidades e a jornada passa a ser desequilibrada. O papel do homem não é “ajudar” a mulher e sim fazer a sua parte. Se conseguirmos evoluir para uma corrida sem obstáculos, em nenhuma das modalidades, com certeza teremos profissionais mais felizes e realizadas. 

Paula Harraca Compartilha a Jornada de Mulheres na Alta Liderança Corporativa.

Eu tive uma experiência pouco usual, porque fui promovida grávida duas vezes, nas minhas duas gestações. Contudo, isso foi há 8 e 5 anos, quando ainda nem se falava em diversidade e inclusão. Além disso, tive o privilégio de ter um líder sensível, que não só me permitiu sair de licença quanto me incentivou a ser exemplo e mostrar que eu conseguia me desligar da empresa e me ligar àquele momento tão importante da minha vida. E tenho vários capítulos mais para compartilhar dessa história. Mas histórias como a minha não podem ser apenas exceção.

Dessa forma, essa luta é diária e eu acredito que um dia alcançaremos a verdadeira equidade de gênero dentro das organizações e também na sociedade.

Enquanto isso, entendo que a chave para encontrar o equilíbrio (que a meu ver, muito mais do que algo perfeito, é um equilíbrio dinâmico e conquistado diariamente), é ter consciência das próprias escolhas e entender que, para cada escolha, existe uma renúncia. Ter prudência e consciência das próprias escolhas e renúncias é uma das chaves para a gente se sentir bem consigo mesma.

Admirando Grandes Mulheres Empreendedoras

BHub: Qual é a empreendedora que você mais admira? Por quê?  

Paula Harraca: Admiro muito a Oprah, pela sua jornada de superação e resiliência. Ela é uma mulher negra numa sociedade extremamente racista como é a sociedade americana. Ela quebrou inúmeros paradigmas e superou desafios esdrúxulos, foi vítima de abuso sexual enquanto criança e se tornou uma das mulheres mais ricas do mundo. Ademais, conquistou tudo o que ela conquistou numa época “analógica”, quando ainda não existiam as redes sociais. Desse modo, que hoje permitem facilitar a possibilidade de criar uma audiência de milhões com menos recursos. É um exemplo para mim.

Além disso, trazendo um exemplo mais próximo, aqui do Brasil, quero citar a Maria Luiza Trajano, pelos valores que ela carrega, pela força e pelo exemplo. Ela é de uma simplicidade maravilhosa. Esse seu jeito a faz ser uma mulher muito autêntica. Contudo, a autenticidade é uma qualidade que eu valorizo e que me inspira bastante!

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